01/05/2009
2ª BIENAL DO LIVRO
Maria Zaira Turchi apresentou
Esta foi a participação da diretora da Faculdade de Letras da UFG na mesa-redonda sobre a vida e a obra do escritor.
Maria Zaira Turchi/UFG
É um prazer e uma honra participar desta justa homenagem que o Governo de Goiás faz, na 2ª Bienal do Livro, ao escritor, apenas para ficar com uma das faces desse homem plural que é Bariani Ortencio, que tanto tem feito pela cultura no nosso Estado.
Waldomiro Bariani Ortencio, o paulistinha... Vera T. Silva buscou a origem paulista, vou mais longe e trago a origem italiana do escritor. Abençoado seja o Fioravante, autêntico carcamano “que veio de navio, que jogava e balançava muito no meio do mar pondo todo mundo para vomitar”. Foi o avô Fiore que das margens do rio Grande das Usinas Junqueiras teve a coragem de enfrentar o desconhecido Goiás, pousando em Campininha das Flores. Era um contador e inventor de histórias – mentiroso como autêntico italiano. Diz o neto em A Fronteira (p. 223), “e eles acreditavam piamente e pediam para contar mais e eu achava aquilo bom demais, pois tinha como meu avô uma facilidade muito grande de inventar”. Suas crônicas têm a fragrância do pão apenas saído do forno; farinha boa, amassada com carinho e o sal da língua viva. Ao paladar do leitor, cansado de múltiplos ingredientes, acaba tendo o sabor do pão, gostoso, como costuma ser o pão nosso de cada dia ainda quente, na boca do forno. A sua maravilhosa arte de contar histórias merece ser admirada como sua fundamental característica de escritor.
Desse homem plural, como crítica literária e professora da área de Literatura da Faculdade de Letras da UFG, pretendo destacar aqui a contribuição importante de Bariani Ortencio para a literatura brasileira, não apenas a literatura produzida em Goiás, na vertente regional, o regionalismo, expressão literária extremamente significativa nas letras nacionais. Nessa perspectiva de literatura e região, de sertão e suas configurações simbólicas, publiquei dois ensaios, um no Dicionário de figuras e mitos literários das Américas, o verbete Jagunço, e o artigo “Jagunço e Jaguncismo: história e mito no sertão brasileiro”, na revista o Público e o Privado do Mestrado em Políticas Públicas e Sociedade da Universidade Estadual do Ceará. Nesse contexto incluí a obra de Bariani Ortencio, como um dos grandes autores da literatura brasileira, a abordar o tema do jagunço no contexto do regionalismo. Trago algumas reflexões sobre as personagens que compõem a paisagem do sertão e, em especial, a figura do jagunço, entre outros aspectos da obra de Bariani Ortencio que permitem inseri-lo também nesta vertente do regionalismo.
A história do Brasil está marcada por um exercício privado e organizado da violência em que uma força armada é colocada a serviço de um proprietário rural ou de um chefe para prevenir conflitos ou para resolvê-los. No contexto do sertão, entendido geograficamente como o interior do país, a figura do jagunço é emblemática e a instituição da jagunçagem está relacionada diretamente com a questão do poder num Brasil rural e arcaico. Poderosa síntese dessa realidade está representada na fala do narrador do romance Grande sertão: veredas, “Jagunço é o sertão” (ROSA,1974, p. 236).
Na geografia empírica, o sertão compreende uma vasta área do núcleo central do Brasil que abrange os Estados de Minas Gerais, Bahia, Sergipe, Alagoas, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Ceará, Piauí, Maranhão, Goiás, Tocantins, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Essa extensa área não se identifica pelo clima nem pela vegetação, muito diversificados, mas por situar-se distante da costa, distante do mar. Como argumenta Sena (2003, p. 117), “a etimologia da palavra sertão – sartaão, certão – usada pelos navegantes portugueses para designar o interior da África e do Brasil, em oposição ao mar e ao litoral, aponta para um lugar distante, vazio, isolado, inóspito, desconhecido, e subseqüentemente, rude, atrasado, decadente e inferior”. Decorrente dessa simbolização do espaço, surge uma geografia imaginária na qual o sertão é um espaço indefinido, misterioso, onde se confundem o histórico e o transcendente, o abrangente e o circunscrito, o abstrato e o concreto, instaurando a universalidade na região. O sertão é, ao mesmo tempo, realidade e mito.
A paisagem humana do sertão diversifica-se na figura do sertanejo, do jagunço, do capanga, do cabra, do cangaceiro, do pistoleiro. Se há nuanças próprias a cada denominação, essas figuras humanas identificam-se pela valentia e coragem, necessárias para viver num ambiente inóspito, num mundo regido por códigos próprios de honra e de justiça.
Câmara Cascudo, em seu Dicionário do folclore brasileiro, atribui à palavra jagunço o significado de arma de ataque e defesa, espécie de chuço, pau ferrado, haste de madeira com ferro aguçado. Esclarece Cascudo que o termo jagunço passou a referir-se a “quem o manejava profissionalmente e jagunçada a reunião de jagunços, significando valentões assalariados, capangas, bandoleiros, correspondendo aos cangaceiros do século XX” (s/d, p. 468). O folclorista ainda menciona que o Visconde de Beaurepaire Rohan, no Dicionário de vocábulos brasileiros (1889) registra jagunço como guarda-costas de políticos, fazendeiros e senhores de engenho. Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, em Novo dicionário da língua portuguesa, registra capanga, chuço e, um terceiro significado, indivíduo do grupo de fanáticos e revolucionários de Antonio Conselheiro. Se num dos verbetes jagunço aparece relacionado a cangaceiro, no outro, jagunço é atribuído também a fanáticos, seguidores de líder religioso.
Essa fluidez que aparece nos dicionários para designar a figura do jagunço é recorrente em documentos e crônicas da história ou em textos ficcionais, o que permite submeter esses bravos do sertão a uma certa tipologia que compreende diferentes perfis e contextos. Entre os tipos, encontram-se os jagunços de coronéis que viviam em fazendas ou em pequenas cidades. Em troca de casa, comida e proteção realizavam serviços para garantir a segurança e o poder dos coronéis fazendeiros. Assim, os jagunços de proprietários rurais, na acepção corrente de capangas assalariados que formavam exércitos particulares, constituíam uma força utilizada para o exercício do poder.
Na República Velha, também conhecida por “República dos Coronéis”, o sistema de reciprocidade entre os detentores do poder público e os chefes locais, representados por fazendeiros e coronéis, garantia os arranjos políticos e a divisão de poderes entre a elite.
Outra modalidade é constituída pelos jagunços de bandos sem pouso fixo, homens livres que optaram pelo modo de vida nômade da jagunçagem, reunidos ora para fazer justiça a modos próprios e coibir a ação de bandidos, ora para espalhar o terror e o medo, invadindo cidades, saqueando, desafiando as autoridades. O cangaceiro, comum no Nordeste brasileiro, é uma espécie de jagunço, que se caracteriza pela errância, fazendo parte de bandos itinerantes liderados por um chefe, sendo o mais famoso deles Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião. A semelhança entre jagunços e cangaceiros manifesta-se na organização interna e nas regras de convivência dentro do bando, nas práticas de confisco e saque, nas estratégias de guerra, no tratamento aos inimigos, nos códigos de honra.
Há ainda o jagunço de líder religioso, denominação freqüentemente atribuída aos seguidores de Antônio Conselheiro, às vezes carregada de sentido pejorativo, como sinônimo de capanga ou bandido, associada, ainda, à idéia de fanático. Esse significado pode-se perceber em trecho do romance Os sertões: “O sertanejo simples transmudava-se, penetrando-o, no fanático destemeroso e bruto. Absorvia-o a psicose coletiva. E adotava, ao cabo, o nome até então consagrado aos turbulentos de feira, aos valentões das refregas eleitorais e saq