01/05/2009
2ª BIENAL DO LIVRO DE GOIÁS
Nélida Piñon acalenta uma platéia
A manhã de hoje foi fresca e clara. A manhã de hoje foi uma daquelas manhãs em que se tem a confortável sensação de que algo vai bem. Talvez tenha sido a chuva de ontem, mas talvez seja só por ser um dia em que se pode começar uma nova história, ou apenas continuar a de sempre. Pois a vida é isso, uma história se emendando na outra.
E foi com elas, as histórias, que Nélida Piñon encheu a manhã de hoje, dentro de um teatro, o Rio Vermelho, e com elas embeveceu uma platéia inteira, magnetizada pelo encanto de Nélida.
"Eu não tenho medo de escrever, não tenho vergonha", declarou a escritora, lamentando que as pessoas e o mundo tenham medo de expor o que sentem, de entregarem-se a suas paixões. "Os franceses acham que a obra deve estar dissociada da vida do autor, eu não concordo. Eu escrevo o que sou, minhas histórias estão, de alguma maneira, permeadas pela minha vida, por minhas raízes, minha família", revela.
Nélida é precoce e apaixonada. É ela mesma quem conta, eloquente: "Ainda bem pequena eu já havia decidido que queria ser escritora, nem sabia exatamente o que isso significava. Lembro-me bem de, lá pelos meus dez anos de idade, junto de meu pai, num hotel, puxar-lhe a ponta do paletó e pedir :´Pai, põe aí na ficha que sou escritora´. E ele que me amava tanto, entre o susto e a vontade de ver minha vontade satisfeita, dizia enfim: ´Para a menininha ponha que é escritora´". E continua a desfiar memórias e revelar-se: "Aos treze anos eu escrevi um conto de amor, era sobre uma rapaz que partia em busca da prostituta pela qual apaixonara-se. Bom tema para uma menina de treze anos...".
O mais recente livro de Nélida Piñon, Vozes do Deserto, coincidiu com a morte de sua mãe, Carmem, aos 85 anos. "Eu a amava muito e decidi que viveria o luto intensamente. Minha mãe era uma mulher firme; eu, sempre tão apaixonada, precisava do equilíbrio dela", conta a escritora.
Vozes do Deserto recria a história de Scherezade, a jovem das Mil e Uma e Noites que, para salvar do poderoso califa as moças do reino, decide casar-se com ele e passa infindáveis noites a lhe contar histórias, o que acaba por despertar a paixão do nobre.
E foi como uma Scherezade cheia de histórias que Nélida Piñon transformou a terceira manhã desta Bienal numa manhã fresca e clara, daquelas em se nos sentimos acalentados e nem precisamos saber bem o porquê.